quinta-feira, 12 de julho de 2012

A nova entidade tutelar do património cultural

É com ansiedade atenta que muitas organizações e também a nível pessoal aguardam a completa implementação da transformação no panorama do património cultural português.

A nova Direção Geral do Património Cultural (DGPC) (fruto da fusão do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico e do Instituto dos Museus e da Conservação) e as Direções Regionais de Cultura têm nova orgânica.
Nesta altura, quando ainda o processo não está completo, algumas vozes alertam para os inconvenientes existentes, a falta de diálogo com outros intervenientes na área do património, nomeadamente o Conselho Nacional de Cultura e as Comissões Nacionais Portuguesas do ICOM (Conselho Internacional dos Museus) e ICOMOS (Conselho internacional dos Monumentos e Sítios) e "a profunda centralização,e,mais do que isso, a iniludível governamentalização que ora se pretende instituir". (ler aqui o comunicado das CNPs do ICOM e ICOMOS a propósito da nova orgânica do Património Cultural, no sítio online do GECoRPA - Grémio do Património).

A este propósito, igualmente reflectindo atenção a toda esta dinâmica de completa transformação do órgão que tutelará os destinos do nosso património cultural, resolvi trazer a este blogue excertos de uma entrevista concedida ao JL: Jornal de Letras, Artes e Ideias por Elísio Summavielle, director-geral desta nova entidade.

Como ponto de início da conversa ES defende que "será possível unir todos os interesses do setor para melhor os defender. Esta nova direção [...] assume-se como o ponto de partida para uma nova visão do Património, centrada nas ideias de trabalho em rede, parcerias e reabilitação urbana." Inquirido acerca do modo como vai actuar durante esta situação de crise, com contenção de despesas, ES responde que "a preocupação centrar-se-á na prevenção e con[serv]ação preventivas, um sistema nacional que ainda não existe. Na área do Património edificado fazemos de dois em dois anos uma monitorização para verificar os estados de conservação. Em casos de risco maior, mesmo não havendo dinheiro, podemos pelo menos evitar derrocadas, acidentes, fazer o mínimo dos mínimos. Sei que é um trabalho invisível - mesmo a sua recuperação - mas absolutamente necessário. Mas não se pode recuperar só por recuperar. Acima de tudo, é preciso criar programas para os espaços que uma vez devolutos são recuperados. Temos de os tornar visitáveis, mas também ocupá-los com novas funções.[...] é preciso criar novos hábitos, novos projetos de utilização, sempre associados a uma noção de conservação preventiva. Se cuidarmos do Património continuadamente, o investimento para a sua manutenção será menor."

Quanto à revitalização de espaços construídos que estejam devolutos estou plenamente de acordo, assim como à orientação para novas funções, até de forma a criar sustentabilidade económica.

Em relação a esta aposta numa conservação preventiva, ES avisa que ainda nada está previsto, mas que "gostava que esta fosse uma filosofia de atuação que envolvesse outros setores do Estado, em particular os do Ordenamento do território, Obras Públicas ou Educação. Temos de formar uma geração para o Património."

Quanto a esta problemática, estou ciente de que realmente muito há ainda para fazer na educação patrimonial, mas seguramente um ponto de partida serão os currículos formais dos vários ciclos de estudo do ensino e também um trabalho de parceria com as associações locais de defesa do património e de história local e também envolvendo os poderes políticos a nível local e central. 
Esta opinião também tem o aval de ES, que considera que nos devemos juntar todos, tendo em conta que "os nossos recursos nunca foram abundantes."

Inquirido acerca da filosofia desta fusão em curso: "Vamos fechar um ciclo que se iniciou nos anos 90 com uma série de Institutos com uma vocação mais disciplinar: de Arqueologia, Arquitectura, Património, Ecologia, Museus. Sempre defendi que o Património cultural requer uma estratégia unívoca e uma gestão integrada. Todas as disciplinas devem ter a sua autonomia, mas também devem ser entendidas num quadro geral de salvaguarda e valorização." Como resposta à questão "a dispersão foi inimiga de uma estratégia comum?", Elísio Summavielle responde que pensa que sim, até porque nunca houve uma verdadeira gestão integrada, tendo-se apercebido, ao longo dos anos de trabalho nesta área, da falta de diálogo entre os diversos organismos. ES afirma que foi "o primeiro Secretário de Estado que veio da área do Património e que tentou defendê-lo publicamente de uma forma unívoca." Estão a recolher alguns frutos dessa estratégia. "Não havia propriamente um diálogo entre turismo e Património. Esse afastamento tende a diluir-se. Quanto maior é a globalização maior é a vontade de contactar com outras identidades. Neste cenário, o Património pode desempenhar um papel importantíssimo. E quando digo que este é o nosso recurso mais importante, também o digo pelo seu valor económico. Por ter as fronteiras mais antigas do mundo e por não ter sido dizimado por duas guerras mundiais, Portugal tem um potencial enorme. Somos um país pequeno mas com uma enorme diversidade cultural."

Na minha opinião, penso que já vai sendo tempo de realmente pensar o património de uma forma multidisciplinar, mas igualmente educar as mentalidades para a educação da salvaguarda do património, não esquecendo que todos os registos patrimoniais têm valor para um povo e não somente os que ainda vão pertencendo a escolhas privilegiadas de actuação, deixando de parte outros, talvez menos considerados.

Acrescento que uma das mais valias do nosso património local (e não só) reside no facto histórico de termos tido uma industrialização com evolução lenta e tardia, configurando uma herança material única, nomeadamente ainda persistindo em Portugal muitos exemplares representativos de um universo fabril  (já desaparecido noutros países e por isso motivo de atenção); estão devolutos e a postos para uma intervenção de reabilitação que possibilite uma revitalização dessas estruturas e consequentemente das zonas envolventes, num verdadeiro trabalho de gestão integrada na área do património. 
Um dos exemplos (já apresentado noutros textos) é o edifício da fábrica de moagem do Caramujo, na Cova da Piedade, no concelho de Almada.
Fábrica de moagem do Caramujo - a espera da intervenção da restauração e reutilização
Caramujo - edifícios existentes na envolvente da fábrica, apresentando igualmente sinais de grave degradação

Fonte dos excertos da entrevista: JL: Jornal de Letras, Artes e Ideias Nº1087, de 30 de Maio a 12 de Junho de 2012

Conceição Toscano

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