Cova da Piedade, jardim público, anos quarenta do século XX (Fonte: http://metoscano.blogspot.pt/2009/04/preto-e-branco-nos-idos-de-quarenta-sec.html) |
"O associativismo representa uma das mais fortes tradições populares de Almada. Uma herança cultural a testemunhar, hoje, que a união faz a força e que , ontem, na solidariedade, na recreação, no convívio [...] se ganhou a consciência colectiva de cada almadense. Uma das raízes culturais mais ricas para alimentar um projecto de sociedade em que «cada um entrega o melhor de si para colher o melhor da comunidade»."
Carlos Abreu e Francisco Branco - O associativismo. Tradição e arte do povo de Almada
A Cova da Piedade seria uma das localidades onde se sentiria com maior pertinência um quadro de evolução profunda, a nível ambiental e industrial, com consequências de ordem desiquilibrante em termos sociais e culturais, motivado pelo crescente desenvolvimento industrial e a colateral afluência de correntes migratórias, oriundas de diferentes pontos do país, particularmente do Alentejo, Algarve e também do Ribatejo e Beiras, para além das vastas terras rurais envolventes.
Quem chegava, vindo de um mundo rural e artesanal, via-se engolido numa dimensão diferente, com valores representativos que os afastavam de quem já cá pertencia. Sós, vivendo em precárias condições, sem traços identificativos à terra que os acolhia e aos seus vizinhos, como construíram algo que os unisse numa vivência conjunta nesse local que começou por ser somente o do posto de trabalho e em lar e em "terra" se tornou? Como criar laços de partilha e de vizinhança com quem também chegou e igualmente com quem já cá vivia? Em que bocadinho do tempo, que poderia eventualmente restar após as longas jornadas de trabalho, se poderiam ter construído redes de convívio ou rememoração das raízes deixadas para trás ou terem evoluído costumes, usos e hábitos tão diversos e diferentes dos existentes localmente para outros onde os traços de identificação foram nascendo e se solidificando?
Sendo tantos iguais nas condições de trabalho, e também nos gostos que permaneciam em cada qual, as necessidades de sobrevivência e de procura de estabilidade identitária e social entre quem chegava e quem aqui vivia, foram supridas em grande parte devido ao movimento associativo, nomeadamente através da pertença a associações de carácter lúdico, ligadas à cultura e ao desporto, mas também de outras com carácter social e de ajuda mútua. Um dos caminhos possíveis para a construção de laços de sociabilidade entre gentes de origens tão diversas, foi a constituição de associações com objectivos comuns. Em torno desta congregação de esforços se foram instituindo novas memórias que ainda hoje perduram como fundamentais na constituição de uma identificação colectiva da comunidade.
Podemos encontrar na base de funcionamento destas organizações o gérmen das ideias democráticas e a união numa corrente de pensamento, que radicava nos desejos de uma vida com melhores condições sociais, culturais, morais, por vezes desempenhando um papel político preponderante, em diversas ocasiões. Entre os seus membros existiam as mais variadas classes e profissões, com um apoio forte de figuras de renome e até de elite, intelectual e patronal, de que é exemplo o impulso e protecção por parte do industrial António José Gomes.
"Dispondo aproximadamente de vinte e cinco colectividades que exercem a sua actividade desportiva, cultural e recreativa em diferentes vertentes do entretenimento e da fruição dos tempos livres, mobilizando mais de 50 mil pessoas, a Cova da Piedade, é ainda, uma localidade onde desde sempre as agremiações populares sempre assumiram um papel destacado na vida da comunidade e na promoção do bem estar dos seus habitantes." (Página da Junta de Freguesia da Cova da Piedade)
Conceição Toscano
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