A Europa Nostra, organização de defesa e salvaguarda patrimonial, assume-se como a voz do património cultural na Europa, tendo construído, ao longo de 45 anos, uma rede de ligações com mais de 400 membros e organizações associadas de toda a Europa. Estas instituições assumem um papel fulcral, atendendo à vivência num mundo globalizado em que é vital o património cultural para um convívio de entendimento e respeito entre os cidadãos europeus, uma vez que nos aproxima apesar da existência de diversos antecedentes culturais e étnicos e pode ultrapassar fronteiras nacionais e de língua, como pode ser lido na apresentação da sua página acessível em http://www.europanostra.org/who-we-are/.
De 30 de Maio a 12 de Junho, Portugal foi o centro do património europeu, tendo sido Lisboa o local da realização do Congresso Anual desta organização, que este ano teve como tema «Salvaguardar o património ameaçado da Europa». Este ano, a Europa Nostra distinguiu com o Prémio União Europeia para o Património Cultural a recuperação dos orgãos do Mosteiro de Mafra.
O JL aproveitou a ocasião para entrevistar a secretária-geral da Europa Nostra, Sneska Quaedvlieg-Mihailovic, tentando perceber quais os sentimentos e objectivos que motivam a missão desta organização e a norteiam nos seus projectos, dentro de uma área de actuação "demasiado importante para as sociedades, para a economia e para a qualidade de vida", nas palavras da entrevistada, que afirma convicta que é a razão de existir da organização a defesa do património, actuando junto dos poderes políticos, com a plena consciência de que "em todos os campos há lobbies, grupos de pressão, organizações não-governamentais" e querem ter a certeza de que em todas as decisões foi pensada a responsabilidade desta herança.
Para Sneska Q-M, a Europa Nostra pretende "promover boas práticas ao nível da proteção do património e das paisagens culturais da Europa. [...] também queremos fazer soar o alarme e chamar a atenção para o património que está ameaçado". Inquirida acerca dos argumentos de que a Europa Nostra se serve para conquistar a adesão de novos adeptos, a resposta surge emotiva: "Não nos cansamos de dizer que o Património é um recurso gigantesco - são inúmeros os monumentos, museus, sítios arqueológicos, paisagens - mas também muito frágil. Uma vez perdido não pode ser recuperado (só recriado, embora não seja a mesma coisa). Além disso, faz parte da nossa identidade, define-nos. Não podemos conhecer o futuro, mas podemos descobrir o passado através dele. Ou seja, os fundamentos de todo o processo de construção europeia partem do princípio de que partilhamos uma enorme cultura, diversa e plural. É responsabilidade nossa passá-la a outras gerações. A Europa não pode ser construída apenas sob os pilares da Economia."
Para a entrevistada, o inimigo desta visão será "talvez a tendência para se pensar no curto prazo e no lucro fácil. [...] Se retirarmos lições do passado, esta crise pode ser uma oportunidade para o Património Cultural."
Uma oportunidade para "pensar a longo prazo, porque todos sabemos que nada acontece da noite para o dia, sobretudo nesta área." Atendendo às dificuldades de vária ordem sentidas nos dias de hoje, "é normal, com a crise, as pessoas entrarem em pânico e desvalorizarem as políticas de salvaguarda e proteção cultural. Por isso temos de estar ainda mais presentes e melhor organizados."
E como pode o comum cidadão ajudar? "Ninguém pode dizer que cuidar do Património é uma tarefa alheia ou exclusiva do Estado. Nunca foi, nem nunca será. É uma responsabilidade combinada entre público e privado. São as próprias comunidades que têm de o valorizar. E a mais-valia de uma organização como a nossa é conseguir congregar pessoas que partilham de uma mesma noção de defesa do Património. Aqui encontrarão energia e inspiração para fazer coisas diferentes e maravilhosas."
Respondendo à pergunta do jornalista acerca da capacidade de o património gerar emprego e incutir novas dinâmicas nas cidades, a secretária da Europa Nostra responde que há estudos diversos que confirmam esta avaliação. "Uma cidade que protege o seu Património, valorizando os centros históricos, torna-se mais apelativa e aumenta a sua qualidade de vida. E depois uma coisa puxa a outra. Se há um ambiente especial, as empresas querem estar por perto e as pessoas também. O Património é assunto social mas também económico. Isso pode ser decisivo para as pequenas e médias cidades. Os decisores locais têm, por isso, uma grande margem de manobra. É uma grande missão: perceber que cada cidade é única."
Fonte: JL: Jornal de Letras, Artes e Ideias nº1087, pp.8-9
Esta entrevista assume importância tendo em conta alguns dos assuntos focados para além da missão de apelo à defesa e salvaguarda do património cultural, e de uma união das comunidades que pode extravasar as fronteiras nacionais para o território europeu - a urgente actuação de todos nós na revitalização do tecido com valor histórico e patrimonial das nossas cidades, vilas e aldeias, procurando não somente preservar uma herança, mas potenciando caminhos alternativos de desenvolvimento sustentável social e economicamente, visando uma desejável e merecida melhoria de qualidade de vida.
Conceição Toscano
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